PELO DIREITO A TERRA
( 12/11/2020 - 14:03:00 )
Estamos diante de um momento crítico na história da Terra, numa época em que a humanidade deve escolher o seu futuro. À medida que o mundo torna-se cada vez mais interdependente e frágil, o futuro enfrenta, ao mesmo tempo, grandes perigos e grandes promessas. Para seguir adiante, devemos reconhecer que no meio de uma magnífica diversidade de culturas e formas de vida, somos uma família humana e uma comunidade terrestre com um destino comum. Devemos somar forças para gerar uma sociedade sustentável global baseada no respeito pela natureza, nos direitos humanos universais, na justiça econômica e numa cultura da paz. Para chegar a este propósito, é imperativo que, nós, os povos da Terra, declaremos nossa responsabilidade uns para com os outros, com a grande comunidade da vida, e com as futuras gerações.
A Terra é um direito fundamental do ser humano. Para o ser humano garantir a vida, ele precisa da terra. A sobrevivência das pessoas depende do modo como esta trata a terra e dela tira seu sustento. Para isso desde os primórdios da humanidade que as pessoas lutam pelo acesso à terra.
No Brasil, as lutas e os movimentos sociais que buscam conquistar o Direito à terra , ainda enfrenta muita violência social e institucional. Daí a necessidade de mecanismos de proteção e defesa no tocante a questão agrária no país, a exemplo do Estatuto da Terra, a Constituição federal e mais recentemente a Lei Complementar 8.634/93.
O Estatuto da Terra – Lei No. 4.504/64 em seu artigo 2º afirma:
"é assegurada a todos a oportunidade de acesso à propriedade da terra, condicionada pela sua função social, na forma prevista na lei.
§1º A propriedade da terra desempenha integralmente a sua função social quando, simultaneamente:
a)favorece o bem-estar dos proprietários e dos trabalhadores que nela labutam, assim como de suas famílias;
b) mantém níveis satisfatórios de produtividade;
c) assegura a conservação dos recursos naturais;
d) observa as obrigações legais que regulam as justas relações de trabalho entre os que a possuem e a cultivam."
Ao tratar da propriedade no capítulo dos Direitos fundamentais das Pessoas – o art. 5º, inciso XXII, a Constituição federal estabelece o princípio que lhe garante a proteção do Estado-jurisdição, qual seja, o cumprimento da função social.
A Constituição assegurou a todos, o acesso a propriedade, desde que a mesma cumpra certos requisitos para receber a proteção legal. Diz o art.5º , inciso XXII e XXIII:
(...)
XXII – é garantido o direito de propriedade;
XXIII – a propriedade atenderá a sua função social."
Sobre o cumprimento da função social da propriedade, a Constituição Federal em seu art. 186º afirma:
"A função social é cumprida quando a propriedade rural atende, simultaneamente, segundo critérios e graus de exigência estabelecidos em lei, aos seguintes requisitos:
I – aproveitamento racional e adequado;
II – utilização adequada dos recursos naturais disponíveis e preservação do meio ambiente;
III - observância das disposições que regulam as relações de trabalho;
IV – exploração que favoreça o bem-estar dos proprietários e dos trabalhadores.
Ainda a respeito da função social da propriedade, o art. 184º estabelece:
"Compete à União desapropriar por interesse social, para fins de reforma agrária, o imóvel rural que não esteja cumprindo sua função social, mediante prévia e justa indenização em títulos da dívida agrária, com cláusula de preservação do valor real, resgatáveis no prazo de até vinte anos, a partir do segundo ano de sua emissão, e cuja utilização será definida em lei.“
Não é nova a luta dos povos indígenas, embora a história seja contada por brancos de forma distorcida; as centenas de etnias resistem ao massacre ano após ano, mesmo que tais conflitos passem invisíveis pelo poder público e sociedade. A luta por suas terras de direito é contra a força do agronegócio, que tem seus interesses bem representados no Congresso Nacional e que hoje tentam modificar a legislação que se refere ao processo de demarcação das terras aprovado em 1988. Ao ganharem legitimidade e o direito de demarcar terras através do Poder Legislativo, grileiros e latifundiários saem fortalecidos nos conflitos em questão, pois esses têm grande capacidade de bancar financeiramente campanhas eleitorais e cada vez mais expandir seus negócios. Para os povos indígenas a terra é sagrada, cuidar e cultivar são de sabedoria milenar.
Hoje os conflitos por terra representam grande foco de tensão, e o que está em jogo nessa discussão é o reconhecimento dos povos que foram massacrados e exterminados no processo colonialista e a luta por reconhecimento das múltiplas violências ou a garantia de possibilidade de expansão do agronegócio que representa um foco de acumulação de capitais no Brasil.
A Zona da Mata Pernambucana nos seus quase 500 anos de monocultivo da cana-de-açúcar, deixou sua marca na população e no meio ambiente. Essas marcas são visíveis nos dias atuais. As práticas agrícolas, utilizadas até hoje, além de concentrar as terras nas mãos de poucos, usou, e ainda usa trabalho análogo ao trabalho escravo, degradação do meio ambiente e provocou uma dependência da Região à economia sucroalcooleira. Esses fatores fizerem desta Região uma das regiões mais pobres do Estado de Pernambuco.
Hoje, na zona da Mata Sul de Pernambuco o que sempre foi miséria se transforma em tragédia. Antes a lavoura canavieira gerava empregos com baixos salários em crises cíclicas. A cana de açúcar vem sendo substituída pelo gado, criado a solta, não gera emprego, mas gera tragédia. Tragédia da destruição de roçados, bananeiras de grotas e pequenos cercados, destruídos à força de trator, na pistola do latifúndio que tudo vira gado.
O surgimento simultâneo de vários conflitos fundiários e de violências promovidas contra famílias de pequenos agricultores e agricultoras na Zona da Mata Sul de Pernambuco tem transformado a região em um verdadeiro barril de pólvora. Uma dessas situações é recente e atinge cerca de cinquenta famílias de um Engenho denominado Batateiras, localizado no município de Maraial. As famílias vivem no Engenho há gerações desenvolvendo atividades agrícolas e de criação de animais.
Desde o mês de junho, as famílias do Engenho relatam que estão sendo alvos de uma série de violações de direitos e crimes praticados por uma empresa alagoana chamada IC - Consultoria e Empreendimentos imobiliários LTDA, recém-chegada ao local.
As famílias estão sendo pressionadas, uma a uma, seja por meio de notificações extrajudiciais, seja por abordagens individuais, a desocuparem suas terras. Em caso negativo, afirmam passar por fortes ameaças e intimidações. Alguns agricultores e agricultoras da comunidade já denunciaram que estão vivendo em situação de ameaça de morte.
Os/as agricultores/as relatam ainda que tudo tem ocorrido de modo rápido, sem ordem judicial.
Além das ameaças diretas contra suas vidas, os/as moradores também contam que já tiveram cercas cortadas, plantações destruídas e que vivem sob a vigília da equipe de seguranças contratada pelo empresário. A empresa colocou cadeados numa porteira instalada por ela em via pública, bloqueando o acesso a sítios e a casas de famílias do Engenho. “Tenho 52 anos e moro aqui desde que nasci. Nunca vi uma coisa dessas acontecer. Somos agricultores e vivemos do nosso suor”, relata um dos moradores da comunidade que prefere não se identificar. Outro trabalhador completa: “o que está acontecendo no Engenho Batateiras é uma barbaridade. Isso é uma coisa que não deveria acontecer. Deviria ter respeito pelo povo que mora aqui. Não tem justiça para as famílias”.
A área palco do conflito possui 960 hectares e pertenceu a Gustavo Jardim Pedrosa da Silveira Barros, da Usina Frei Caneca, até o ano de 2000, quando foi adquirida pela empresa SIMARCO. Em junho deste ano, a área foi vendida à IC Imobiliária pelo preço de R$500 mil reais. Cada hectare foi comprado por cerca de R$ 540,00 reais, visivelmente abaixo do valor de mercado que é de aproximadamente R$ 9.000 reais, segundo Relatório de Análise do Mercado de Terras do Estado de Pernambuco, do Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra).
No município de Jaqueira acompanhamos aproximadamente 1.200 famílias, de cinco comunidades que vivem a mesma situação, as mais críticas são as comunidades dos Engenhos Fervedouro e Barro Branco, terras da antiga Usina Frei Caneca.
No município de Catende, Terras arrecadadas pela antiga Usina Catende, no Engenho Pau D’Óleo são 70 famílias ameaçadas. Nesta comunidade a situação está muito mais preocupante, pois, as famílias para chegar em suas casas estão sendo acompanhadas pela escolta da Polícia Militar para evitar mortes, diante da milícia do pretenso proprietário.
E, no município de Barreiros, no Engenho Roncadorzinho aproximadamente 120 famílias enfrentam a mesma situação.
Essas famílias, que vivem da agropecuária, trazem função social à propriedade rural, já reconhecida como improdutiva pelo Incra. E, passados mais de 70 anos de posse pacífica, o Poder Público tem que atuar para proteger os direitos delas e cessar as violações denunciadas.
Terra é vida. É urgente defender o direito a terra! Defender o Direito a VIDA.
É preciso lutar e resistir!
Fontes:
https://teoriaedebate.org.br/2017/06/09/pelo-direito-a-terra-a-vida-lutar-e-resistir/
http://www.dhnet.org.br/w3/ceddhc/bdados/cartilha7.htm
https://teoriaedebate.org.br/2017/06/09/pelo-direito-a-terra-a-vida-lutar-e-resistir/
https://www.cptne2.org.br/publicacoes/noticias/noticias/pernambuco/5352-violencias-e-conflito-por-terra-em-maraial-pe-tem-envolvimento-de-empresario-milionario-que-ja-foi-preso-pela-policia-federal
https://blogdosobrinho.com.br/autoridades-politicas-e-religiosas-foram-ao-engenho-fervedouro-tratar-de-conflito-por-terras/
https://www2.camara.leg.br/atividade-legislativa/comissoes/comissoes-permanentes/cdhm/noticias/presidencia-da-cdhm-pede-investigacao-sobre-conflito-fundiario-em-pernambuco
https://www.diariodepernambuco.com.br/noticia/vidaurbana/2020/08/arcebispo-visita-pequenos-agricultores-ameacados-de-despejo-na-mata-su.html